quarta-feira, 3 de novembro de 2010


Como entender a direção de Deus para a vida da gente? Será que isso existe, "direção de Deus" para a vida de quem crê nele? E porque a vida de quem não crê muitas vezes vai melhor?

Ah sim, são perguntas tolas que nem na Escola Dominical as professoras respondem. Quando muito, elas dizem apenas "foi da vontade de Deus", como se Deus quisesse ou permitisse que alguns de nós fôssemos infelizes ou não realizados na vida (o que acaba dando no mesmo).

A verdade é que até os crentes mais "badalados", autores de grande sucesso e carismáticos entre os fiéis não têm essa resposta. Eles têm o dom de cura, de libertação e de revelação, mas não uma resposta simples a uma pergunta igualmente simples em sua formulação, e até mesmo em seu caráter. Alguém vai dizer: "leia A Cabana". Pois não, o ser humano lê, se emociona, se surpreende com a criatividade do autor, com a facilidade que ele demonstra ao explicar a Trindade, e assim a consciência dói menos quando vem a vontade de culpar Deus pelas nossas próprias escolhas e erros.

Mesmo tendo apenas vinte e poucos anos e começando a entender o que as professoras e líderes nunca ensinaram nas células ou aulas da EBD: existem questões nas quais Deus não se mete. Não adianta pedir marido rico, fiel e até bonito (ah minha irmã, sua fé teria que mover montanhas!!!) ou um super emprego com um plano de carreira sensacional que te daria uma aposentadoria confortável para curtir com seus netos (isso se você casasse, e de preferência com aquele homem-alvo de sua oração, sim, o homem acima - além de devoção e jejuns intermináveis) ou mesmo para aquela pessoa que você tanto ama e que está à beira da morte poder aproveitar um pouquinho mais dessa vida. Se é hora dela ir, você vai pedir o quê? Pra ela ficar?


Sim, desejos legítimos. Vontades genuínas. Mas não pense que você não irá para o paredão ao pedir a Deus coisas assim.

Mas então você pergunta: se Ele diz que quem busca recebe, quem procura encontra, porque seus sonhos não se realizaram?

Porque eles não se tornaram planos ao invés de sonhos, certo?

Sim, provavelmente. Sonhos geralmente ficam na cabeça e sempre achamos que um dia eles acontecem. Planos são executáveis. São calculáveis. Tudo na ponta do lápis, na planilha do excel, nas prioridades do dia a dia.

E sonhos?

Estão lá dentro, romantizados, sem a menor labuta em cima deles, apenas olhos que brilham ao pensar que podem acontecer, ou noites enervantes em que não se consegue dormir pensando no que teria sido da vida se no ano de 2005 você não tivesse entrado naquele apartamento e se deitado com a pessoa errada...ou se você tivesse trocado de curso na faculdade e tivesse feito Direito, hoje poderia ser um juiz com salário de R$ 17,000 iniciais ou um agente fiscal...quem sabe?

Nada de dureza, nunca mais. Nada de se preocupar com a fatura do cartão de crédito, nada de esperar a troca de estação para comprar as roupas mais legais ou parcelar no cartão as comprinhas de farmácia. E aí, a culpa é de quem se não posso passar as férias na tão sonhada Grécia??? Aliás, a culpa é de quem por eu não ter férias???


É frustrante ao extremo tentar entender Deus. E sim, tem gente que acha que com Ele as coisas são muito simples. São os defensores do evangelho puro e fundamental. Tem outros que elaboram tanto a vida com Deus que andam pelas ruas repreendendo demônios ao passarem na frente de restaurantes e bares ou até mesmo ao ouvir uma música de axé. E tem aqueles que simplesmente não pensam em nada disso; aliás, não pensam em nada. E vão aceitando a vida até que toque a sétima trombeta de Sião e os anjos em cavalos alados desçam comunicando que Jesus está voltando. Nada mais 3D, hum?

Aos crentes de plantão: deve-se duvidar de tudo nessa vida. Sem as dúvidas, não damos um passo à frente. Sem as dúvidas, não há o risco, sem o risco pode não haver sucesso e, não havendo sucesso, renova-se o ciclo da insatisfação. O que também pode ser ao avesso pois quem é inteligente acaba aprendendo com o insucesso - e por aí vai. Duvidar de verdades, de mentiras, de boatos, de fatos...ou da veracidades deles.

Há tantas coisas das quais se duvidar. Mas, para nosso alento, amigos inquietos, existe uma verdade da qual a dúvida não pode se aproximar: a glória de Deus.

Digam o que quiserem. Que foi o Big Ben, que foi a partícula de pentelhésimo de um átomo que explodiu e deu vida a tudo que tem vida, mas não subestimem a inteligência de algumas pessoas ao observarem uma criança vir ao mundo.

Não há explicação científica satisfatória para uma pessoa nascer de outra. Para uma pessoa se alimentar de outra dentro dela durante nove meses e depois continuar se alimentando por um bom tempo...nada é mais assustador, nada mais encerra as dúvidas sobre a existência de Deus do que o nosso nascimento. Nada nessa vida terrena pode ser mais espetacular do que a nossa vida ser oriunda de outra até então completamente estranha e desconhecida. E aí vem a certeza: ah, queria que Darwin me explicasse isso! Daria tudo para nascer na época de suas expedições e pedir apenas que ele me justificasse o seu próprio nascimento. Com cálculos, palenteologia, geologia e todas as "gias" que conhecemos.


Enquanto isso, vou duvidando do arrebatamento, dos galardões, dos anjos de seis asas e oito olhos (que meda), das carruagens de fogo e cavalos alados voando em céus de trovão a caminho de matar a besta que arderá eternamente num lago de enxofre. Mas não deixo nem jamais deixarei de acreditar que "quando as flores não mais existirem e o tempo parar de contar; quando todas as coisas passarem, com o Pai hei de estar"!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


Laurentino Gomes, autor de “1808” e “1822” abre a Semana Literária na Livraria do Boulevard e concede entrevista exclusiva

O badalado autor Laurentino Gomes, que escreveu o best seller “1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil” com mais de 600 mil exemplares vendidos, e, mais recentemente, “1822 – Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado”, livros que contam e recontam com clareza, humor e leveza a história da fuga da Corte Real Portuguesa e da Independência do Brasil, esteve em Cabo Frio no dia 8 de outubro para abrir a Semana Literária da Livraria do Boulevard.

Através do livro “1808”, o autor ganhou o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, nas categorias Melhor Livro Reportagem e Livro do Ano de Não-Ficção. Além disso, sua obra também foi eleita o Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira de Letras, permanecendo até este ano na lista dos livros mais vendidos no Brasil e em Portugal.

Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná com pós-graduação em Administração pela Universidade de São Paulo, Laurentino Gomes trabalhou como repórter e editor para o jornal O Estado de São Paulo e a revista Veja e foi diretor da Editora Abril. É membro titular da Academia Paranaense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Um dos principais méritos de Laurentino Gomes é descobrir personagens esquecidos da história, como o escocês Lord Alexander Thomas Cochrane, elemento que praticamente definiu o desfecho do conflito entre europeus e sul-americanos.

Em sua mais recente obra, “1822”, e com a expectativa de ultrapassar os mais de 600 mil exemplares vendidos com “1808”, o autor continua a contar a saga da Corte Real Portuguesa no Brasil e a sua Independência, no qual o personagem central é, sem dúvida, Dom Pedro I, mas sem esquecer personagens indispensáveis como o estadista e conselheiro do príncipe, José Bonifácio; a princesa Maria Leopoldina e o primeiro almirante da armada nacional brasileira, o mercenário escocês Thomas Cochrane, ou Lord Cochrane, além da amante de Dom Pedro I, a paulista Maria Domitila de Castro Canto e Melo, que recebeu o título de Marquesa de Santos. Todos esses personagens tiveram uma participação muito importante no processo que resultou na Independência do Brasil e na reestruturação de um país falido, movido por desconfianças das cortes lusitanas e influenciado por movimentos separatistas, republicanos e abolicionistas por todo o território.

Em entrevista exclusiva concedida na Livraria do Boulevard à repórter da Assessoria de Cultura de Cabo Frio, Viviane Rocha, o autor Laurentino Gomes falou sobre um pouco de tudo: educação, incentivo à leitura e, claro, História.

VR: Muitos de nós aprendemos uma História mal contada na escola. Faltou dar importância a personagens de destaque, como José Bonifácio, por exemplo. Fatos importantes foram omitidos e fatos não tão importantes foram super valorizados. Por que o senhor acha que isto aconteceu?

LG: Na verdade, a História é uma disciplina muito facilmente manipulável, seja porque quem quer que esteja no poder. Houve, com certeza, um interesse político em ocultar alguns fatos e super valorizar outros. Hoje, o Brasil está colhendo os primeiros frutos de uma democracia de 25 anos consecutivos, e isso é mérito do governo que está chegando até o leitor. Nosso País está passando por um momento de uma profunda reflexão histórica e isso se reflete na reformulação da Educação e, consequentemente, em uma forma mais consistente de contar a nossa História. Na verdade, a História é um conjunto de fatos e acontecimentos que justificam políticas presentes, e que continua mudando.

VR: Hoje em dia os leitores se interessam mais por livros de História?

LG: Sim, claro. E por leitura de modo geral. Isso é resultado direto da queda do índice de analfabetismo. E o interesse específico pela História aparece quando ela é contada de maneira acessível, sem o linguajar sisudo das teses acadêmicas. A matriz do meu trabalho vem de uma narrativa jornalística, que é a minha formação. A apuração que fiz foi toda jornalística, investigando fatos e até mesmo estando presente onde eles aconteceram. E, como gosto muito de História, escrevo sobre ela com esta narrativa e através deste viés jornalístico. Vejo com muita alegria o fato de a História estar se tornando popular.

VR: Como o senhor vê a realização de programações literárias, como esta que estamos realizando aqui na Livraria?

LG: Olha, eu acho isso importantíssimo. Desde que comecei a rodar o Brasil com as minhas palestras, tenho percebido o quanto festivais e encontros literários aproximam o leitor do autor. O autor deixa de ser aquela pessoa distante, escondida atrás do livro e passa a estreitar o eixo cultural na sociedade, estabelecendo uma relação mais próxima com quem o lê. Eu adoro conversar com meus leitores, entender o que eles pensam, tirar qualquer dúvida. Acho essa iniciativa fundamental, mas acredito que faltam mais eventos como estes no Brasil.

VR: O senhor acha que existe preconceito em relação aos gêneros literários?

LG: Sim, há um preconceito bobo quando alguém fala que tal pessoa só lê a saga Crepúsculo, gibi, mangá e Harry Potter. Esse tipo de preconceito não tem o menor fundamento, pois é através também deste contato que a criança e o adolescente vão começar a se envolver na leitura. Hoje, as crianças estão lendo esta literatura, mas lá na frente, daqui a alguns anos, este leitor já vai se interessar por outros gêneros, outras vertentes, pois aprendeu a gostar de ler.

VR: Como o senhor acredita que a leitura deve ser incentivada?

LG: O mais importante é entender o hábito da leitura como prazer, e não como obrigação extra-classe. Como uma criança toma gosto pela leitura? Lendo gibi também! O importante é que ela aprenda a gostar de ler, e isso com certeza não virá com livros de romance ou não-ficção apenas. A leitura precisa ser associada ao prazer, e é muito importante que os filhos observem os pais lendo, e que os pais leiam junto com os filhos. Ler não apenas na escola, mas principalmente em casa, com a família.

VR: Cabo Frio tem uma média de 200 mil habitantes. O senhor acha que em cidades menores se lê menos do que nas grandes capitais?

LG: Pelo que eu tenho observado nas minhas viagens, já acho o contrário. Em cidades menores há mais tempo para a leitura. As pessoas não ficam horas no trânsito caótico como o de São Paulo, nem ficam duas horas em pé dentro de um ônibus. Com melhor qualidade de vida, há menos cansaço e mais tempo para ler.

Nos dias seguintes, a Livraria do Boulevard recebeu mais autores para um bate-papo e tardes de autógrafos: os professores Sérgio Nogueira, do Soletrando, quadro do programa Caldeirão do Huck; Denise Salim, especializada na obra do autor João Ubaldo Ribeiro; Nei Lopes, compositor, cantor e escritor, além de André Valente, professor de Lingüística da UERJ e o imortal Carlos Heitor Cony. A semana foi encerrada com chave de ouro com a presença do compositor, escritor e cantor Paulinho Moska.

Livraria do Boulevard

A Livraria do Boulevard, inaugurada em agosto deste ano, é um espaço super agradável, que conta com uma charmosa cafeteria onde se pode experimentar o chocolate quente mais gostoso e diferente de Cabo Frio, além de ter um cardápio especial. É todo decorado de maneira artesanal, com fadinhas de vários tamanhos e cores que pendem do teto; brinquedos artesanais de madeira, cada um talhado à mão; lindas bonecas de pano espalhadas pelo ambiente, brinquedos de pelúcia e um cantinho todo especial reservado somente para as crianças.

Além de todos os tipos de gêneros e editoras comercializadas no Brasil, também é possível encontrar na Livraria do Boulevard presentes muito especiais: as bonecas alemães feitas de porcelana, com detalhes e acabamento perfeitos, vestidas em trajes de época, que vêm acompanhadas de acessórios.

A proprietária da Livraria, Andrea Paes, conta como surgiu a ideia de criar um espaço diferente em Cabo Frio:

- Havia um público carente de uma livraria que não fosse “apenas uma livraria”, mas um espaço cultural também, onde se pudesse tomar um capuccino folheando um livro e conhecendo as novidades. Quis que a decoração fosse toda artesanal. Os brinquedos, cada um, desde a fadinha até as bonecas de porcelana, são todos artesanais. Decorei a Livraria como se estivesse decorando um espaço da minha casa – conta.

A Livraria do Boulevard está localizada à Rua Major Belegard, 409 – Centro. Funciona de segunda a sábado das 10h às 22h e aos domingos das 12h às 22h. As compras podem ser parceladas em até seis vezes sem juros no cartão de crédito. Não encontrando o livro que procura, basta apenas o cliente encomendar.

Telefone: (22) 2643-1384

Viviane Rocha Moreira Lima

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma boa senhora que não pôde escolher o seu emprego



Uma boa senhora que não pôde escolher o seu emprego


Tenho uns poucos relógios meio vagabundos. Todos estão sempre parados. Nunca me lembro de trocar a bateria. Não é de propósito, eu esqueço mesmo. E na verdade não vejo o menor sentido em ficar olhando para o pulso como uma psicótica, vigiando as horas como se a foice viesse me ceifar a qualquer momento.

Não, não tenho medo da morte. Nunca tive. Engraçado isso. Tenho medo de outras coisas. Tenho medo de ter diarréia na rua, do meu dente quebrar, de ficar mais míope, tenho medo da minha avó cair e se machucar e eu não ouvir por ela me chamando, tenho medo de não ter filhos, tenho medo de ficar uma velha gorda, baranga, hipertensa e diabética e cheia de dor nos joelhos, medo de ter que morar na Pavuna, medo da polícia, medo do meu peito cair, medo da minha barriga nunca mais sumir, mas da morte - não. Essa nunca me assustou, talvez por eu ter conhecido essa senhora desde muito pequena. Eu sempre soube que ela viria um dia, por isso vivo de portas abertas, sem medo de que ela venha, mas também sem fazer festa pra ela.

Falar sobre a morte sempre é constrangedor, mas nem sempre ruim. Talvez porque a morte em si não seja ruim, quando acontece em seu tempo e quando sabemos que, acima de qualquer dor, ausência ou perplexidade existe a certeza inabalável de um reencontro “em um outro nível de vínculo”, parafraseando Caetano Veloso em sua música “Tempo, tempo, tempo”.

O problema é que nós acostumamos com tudo, menos com a visita dela. Nem que seja para cessar o sofrimento de quem amamos, nem que seja para nos dar uma vida melhor em outro lugar. É assim desde os primórdios da humanidade, desde quando o mundo é mundo e as primeiras civilizações choravam seus mortos. Ninguém quer dizer “adeus” a quem ama. Mas porque dizemos “adeus” se podemos dizer “até breve”?

Há quatro anos eu disse “até breve” para o homem que mais amei na vida. A tristeza não era pela morte; era pela saudade. O corpo inanimado já não me dizia mais nada; eu sentia falta do seu espírito, da sua presença, da sua voz e da sua ranhetice. Já não me importava com o vento frio em seu velório, as vozes murmurantes, as mãos que me tocavam. Eu só queria segurar as mãos dele, não pelo desespero papagaiado de não poder mais ver, mas sim pela ternura imensa na qual eu estava submersa naquele momento. O momento de dizer “até breve”, mas sem saber a data exata do “breve”. O momento de aprender a conviver com a ausência e as lembranças, sempre tão boas, ternas e alegres. O momento de ver novamente a senhora, ali ao lado de seu corpo frio, velando por ele. Uma boa senhora que nada fez a não ser o seu serviço, obedecendo às ordens de quem a todos ama e quem a todos chama, um dia, nessa vida fugaz.

São quatro anos sem vê-lo. Quatro anos sem ouvir aquela voz preguiçosa perguntando se tinha café fresquinho ou aumentando o som do telejornal quando todas nós resolvíamos conversar junto com William Bonner e Fátima Bernardes. E o tempo foi passando assim, como um raio, um trovão, e ao mesmo tempo se arrastando como uma lesma, fazendo a saudade crescer como massa de pizza, fazendo o olho rir e chorar...

Uma noite jurei que tinha escutado seu riso no apartamento dele. Estava sozinha, o apartamento também sozinho, entrei e liguei a televisão e então...quase acreditei que ele estava rindo pra mim (ou de mim?). Meu coração se encheu de um sentimento ambíguo, amedrontado e ao mesmo tempo feliz. Quis chorar e quis rir, quis correr e abraçá-lo, mas era apenas ela, a televisão, me trazendo à realidade da saudade, uma saudade legal, que não faz sofrer nem desesperar, mas que faz a gente acreditar e esperar por um tempo diferente, um lugar diferente, onde tudo será diferente, mas todos seremos iguais.

Não, a boa senhora não me assusta. Ela vem quando precisa vir e faz o que tem que fazer sem ter que dar explicações. Ela leva quando tem que levar, e não creio, nunca acreditei que ela fosse má.
Ela apenas não pôde escolher o trabalho dela.

Saudade, vô.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010



Quando nunca é dia dos pais


Tem gente que nunca teve cama. Tem gente que nunca teve escola boa, brinquedos novos (nem velhos), doce na geladeira; tem gente até que nunca teve nem geladeira.


E tem gente que não teve mãe nem pai nem irmãos nem nada disso que nos faz ser quem somos, e também quem poderíamos, talvez, ter sido.


Tem de tudo no mundo; tem até o que não se tem.


Pensar em ter um pai é como pensar no Monte Olimpo. Existiu? É mito? Mito que explica a ligação da mãe com o filho e do filho com o filho até chegar à explicação da primeira civilização.


Outro dia eu parei pra pensar no que seria um pai. Qual sua função além de pagar e pagar e pagar. Eu não consigo terminar este texto porque não tenho conhecimento sobre o assunto; nem consigo colocar um ponto final porque eu queria conhecer esse assunto e perguntar para o meu (pai): Ué, cara, cadê você?


Já tem muito tempo que ele se foi. E aí, como a gente se acostuma com tudo mesmo, eu me acostumei a ser sem ele, a crescer sem ele, a não conversar com ele, a não entender porque teve que ser assim. Eu me acostumei com a lembrança em sépia de um homem magrinho e barbudo me pedindo um beijo na cama do hospital; e me lembrei em cores vívidas e saturadas de um homem barrigudo e engraçado chegando em casa com um monte de chocolates e cocadinhas da Bahia (e uma maleta preta cheia de papéis e coisas esquisitas).


Agora eu não sei muito bem o que lembrar.


Minto: lembro de uma noite fria em que o doido me colocou na grade da janela da sala e me cobriu com um cobertor de lã vermelha. Eu devia ter uns sete anos. Ficou ali comigo um tempão. Ou ele segurava a grade do terceiro andar ou a grade segurava nós dois. Só o que eu sabia de verdade era que eu não ía cair porque ele não ía deixar.


Tudo mentira.


Um dia a grade despencou, eu caí, todo mundo caiu. Todo mundo se machucou. Mas ele, pra onde foi? Estava salvo. Puta que pariu. Que poder é esse que tem a morte sobre uma família inteira? Voam estilhaços no berço dos bebês e nos brinquedos das crianças. Voam estilhaços nos traços adolescentes e no revirão da juventude. E ficam estilhaços no corpo maduro da menina que cresceu e que até hoje não conseguiu decifrar esse mistério, sendo assim devorada pela esfinge (decifra-me ou devoro-te) E paga-se até hoje a conta da terapia. E imagina-se até hoje em como teria sido se aquele que foi nunca tivesse ido.


- E se ele tivesse desaparecido como essas pessoas que saem pra comprar cigarro e não voltam nunca mais?


Não. Meu pai detestava cigarro.


- E se ele tivesse conhecido uma dançarina alemã e tivesse se mudado pra Munique?

Duvido que ele gostasse da comida dos alemães. E os alemães não são muito de dar gargalhadas.


- Mas e se ele tivesse outra família e morasse no Nordeste?

Hum. A mistura de calor e mosquito lhe era por demais odiosa.


- E se tudo fosse apenas um sonho que a gente tem quando come feijão com lingüiça antes de dormir?

Tem anos que parei de jantar.


- E se fosse efeito do Daime?

Nunca tive coragem...


- E se for apenas mais um dia dos pais em que eu não sei o que fazer nem pra onde ir?

Provável, baby.


Há alguns anos eu conheci uma menina de 13 cujo pai ela não via desde os oito. Então, a mãe dela, coitada, no meio de tanta ignorância religiosa, ensinava a menina dizer, quando perguntada:

- MEU PAI É DEUS.


E a mãe ouvia, orgulhosa, inflamada de mágoa e jubilosa por ter sido adotada por Deus, ela e a filha.


E eu desabava, pela menina. Que queria chorar, que queria ver o pai, que queria entender como Deus pode ser Pai se o pai dela, o pai físico dela não queria nem saber dela?

Então eu voltava pensando em como seria quando aquela menina crescesse e entendesse que por um lado Deus é Pai, e que por outro ela não tinha pai mesmo; e essa era a verdade, e pronto.


Sem dramas.


Faz o que quando não tem pai?


Faz o que eu faço: segue.


Sem dramas.


Quer pai?


Não tem.


Sem dramas.


Quer drama?


Tem, aos montes.


Só não tem pai mesmo.




terça-feira, 27 de julho de 2010


Dez razões para amar Cabo Frio; dez razões para odiar Cabo Frio!


Dez razões para odiar Cabo Frio:


1 – Em uma cidade de quase 200 mil habitantes, subindo para 800 mil no verão, existe apenas uma sala de cinema onde, pasmem, todos os filmes são dublados. “E o vento levou...” chegou aqui há uma semana;


2 - Em cada metro quadrado existe uma pessoa erguendo a mão na sua cara para você pegar um pedaço de papel com propaganda de feitiçarias baratas como “TRAGO SEU AMOR DE VOLTA EM TRÊS DIAS” (quando tudo que você quer é o que seu “amor” desapareça em três segundos). E não importa se você está carregando peso ou várias bolsas; a mão está sempre lá, na sua cara, como um filme que você não consegue esquecer. MEDO.


3 - Não há uma pizza que preste. U-M-A. Pode procurar.


4 - A dificuldade enorme em fazer com que as pessoas te entendam, o que te leva a questionar sua sanidade mental ou sua capacidade de comunicação. Ás vezes chego a pensar que devo estar falando em japonês ou hebraico quando quero apenas saber quanto custa um HD externo na loja da esquina;


5 - Existe um mistério por aqui que faz com que as pessoas, com suas bundas enormes, parem no meio da calçada para conversar, falar sobre a campanha de A ou B ou olhar o preço dos sapatos cafoninhas que ficam nas vitrines, impedindo, com isso, que toda uma multidão, que trabalha, tem fome, tem pressa, tem médico e tem horário continue caminhando. E se você educadamente pedir licença, ainda olham feio e fazem aquele bico: “hum hum, tsc, tsc, pode passar”.


6 - Desafio qualquer barman de Cabo Frio a fazer um cosmopolitan ou um sex on the beach que não pareçam uma vitamina de mamão com laranja. Simplesmente não há este tipo de profissional por aqui. Há algum tempo, em um bar que deveria citar, mas por gostar muito do pai do dono, não o farei, pedi um sex on the beach. Não acreditei quando a bebida chegou fervendo, com uma pedra de gelo derretendo e gosto de picolé barato de beira de praia. Chamei o gerente e, 48 horas depois, apareceu um rapaz pedindo desculpas, dizendo que o “barman” estava jantando EM PLENA HORA DE TRABALHO e que assim, para não deixar o cliente na mão, o garçom fez a gentileza de fazer o drink. Devolvi, reclamei, não paguei e também nunca mais voltei.


7 – Obras particulares por toda a cidade. Prédios, prédios e mais prédios que não se cansam de serem erguidos, o que significa: poeira dentro de casa, crises alérgicas, pedreiros mal educados que às sete da manhã já começam a cantar bem alto o último sucesso de Amado Batista ou dos Morenos; que xingam todo tipo de palavrão e riem diabolicamente uns dos outros. Barulhos para escolher: serra, martelos, trator, etc. UM INFERNO.


8 – Comida. Todas iguais em todos os restaurantes. Saladas mortas e sem graça. Carnes duras. Sobremesas gordurosas e sem criatividade. Sorvetes com gosto de nada. Gente comendo de boca aberta. Crianças que não sabem se comportar à mesa. Adultos piores que as crianças. Encontrar todo mundo que você conhece cada vez que almoça fora. PUTA QUE PARIU!


9 – Vagas para estacionar. Inexistem. Próximo item.


10 – Um único assunto parece dominar a cidade: Alair x Marquinho.

Foguetórios ridículos, dignos de um capítulo de “O Bem Amado”, parte da palhaçada da raposa Alair Corrêa, me atrapalham de ver um filme ou até de escutar Chopin quando estou trabalhando em casa. Não dá pra acreditar que ele ainda faz isso. Não dá pra acreditar que as pessoas ainda conversam sobre isso. Não dá pra acreditar que eu estou escrevendo sobre isso!


Dez razões para amar Cabo Frio:


- Lógico, óbvio - as praias. Toda a extensão da Praia do Forte, a exuberância da Praia das Conchas, a beleza quietinha do Peró. Tudo em seu devido lugar, lindo, charmoso, perfeito.


2 – O Portinho no verão. As pessoas pescando camarão tarde da noite, as águas calmas, a lua imensa e amarela aberta no céu super estrelado.


3 – A Passagem e seus barcos em qualquer época do ano. Suas ruelas vintage feitas com paralelepípedos, suas casas azuis e brancas com a numeração em azulejo, a Casa do Príncipe, os barquinhos com nomes pueris e cores dessaturadas, que podem ser tema de qualquer aquarela ou acrílico;


4 – O pôr-do-sol da Praia do Siqueira, que nunca vi igual. Simplesmente deslumbrante.


5 – As pracinhas. De alguma forma ainda mantêm o ar de interior com seus coretos, jardins e casais namorando.


6 – O pão francês da padaria Conquista. Com manteiga Aviação, bem quentinho, lá pelas seis horas da tarde;


7 – As manicures! Minhas amadas e indispensáveis manicures, Gilda e Dona Erli, sem as quais eu certamente teria garras nojentas como as do Zé do Caixão; sempre de bom humor, fazem o dia ser mais colorido quando deixam minhas unhas bonitas e brilhantes;


8 – As pessoas de quem eu gosto. Elas sabem quem são.


9 – O prédio da Biblioteca Municipal Walter Nogueira. Um casarão do século XVII, azul e branco, com suas histórias por contar, seu pátio pequeno e fresco, do qual se pode avistar o Canal Itajuru;


10 – O Charitas, prédio histórico construído em 1837, que abriga o Museu José de Dome. Existe alguma força ali dentro que me faz sentir calma, acolhida e feliz. E a pintura que Tiita fez de Santa Izabel deixa tudo mais lindo. O piano de cauda que mora no salão principal, o pé direito da construção, suas grandes janelas, seu piso de tábua corrida, um jeito de quem guarda segredos e muitas histórias.


*Sim, tenho razões para amar e odiar Cabo Frio. Mas não esqueço que, quando precisei me refugiar aqui, quando meu mundo desabou, eu me sentava nas dunas sozinha, vendo as gaivotas e os mergulhões, e chorava na minha solitude. E me sentia compreendida e encorajada. Deve ter sido Deus ou a força da natureza ou a minha consciência que dizia que tudo ía ficar bem. E não é que ficou?

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pra que tanto nome?


Há muito tempo, quando o tempo nem existia, alguém instituiu que o amor entre duas pessoas deveria ter um nome: namoro, noivado, casamento, doença, dependência e derivados. E justamente nesse tempo, aprendemos que amor de verdade precisa ter algum desses nomes, senão não é amor, é só sexo. Senão não é amor, é amizade com trepada. E se não é amor, não é nada.

Há muito tempo veio uma mula dos infernos dar nome a tudo que a gente sente: e o que não tem definição, vejam só! Não vale de nada. O que não tem definição não é importante, não tem valor, são sobras, são migalhas – enfim, são tralhas.
Ora! Se não tem definição, é porque faltam as palavras!

Para muitos é difícil entender a história do amor solto, livre, o amor que tem asas e que vive. É difícil entender que o sinônimo do amor é liberdade, e não PROPRIEDADE. Clausura, clausura,clausura. O amor de verdade é aquele que sara, aquele que cura. O amor que guarda as vergonhas, que não expõe as minhas misérias e que nem leva tão a sério as coisas que são mais sérias. Aquele que me abraça quando eu grito, que tira o pedregulho do meu sapato, que sabe o sabor de sorvete que eu gosto, que conhece minha autora preferida, minhas histórias mais sofridas, meus pecados prediletos; e nem por isso me condena a passar a eternidade no inferno.

Poucos de nós conhecem esse amor. Ah, sim. Eu diria que dois ou três de nós talvez conheçam esse amor. Não o amor que está por aí, sem vergonha, vagabundo, sem uma história bonita pra contar, sem um segredo absoluto, lindo e louco, sem uma música que faz lembrar, sem um cheiro que faz recordar, sem ao menos uma foto pra olhar e dizer: - “Cara, foi muito bom te conhecer!”,mesmo que 15 anos tenham se passado.

Quantos amores carregamos na bolsa, na memória, no dia a dia, dentro da mala, no inconsciente (que não tem nada de bobo), no ônibus, em horas debaixo do chuveiro ou talvez no meio de uma sessão de cinema...quantos amores são? Quantos viveram para serem amigos, para serem queridos, para abrir a porta da sua casa numa manhã de outono e dizer: “Querida, que saudade de você! Tava louco pra te ver!”?

Acreditar nesse amor é quase uma filosofia. Vivê-lo não é nada fácil; aliás, vivê-lo deveria ser fácil, outrora não fôssemos seres egocêntricos e mal resolvidos, desejando sermos exclusivos, insubstituíveis, os reis da importância, o eixo do universo, a descoberta de Galileu Galilei, a invenção de Thomas Edson.

Nada gira a seu favor. NADA. Mesmo o bebê lindo que você pôs no mundo, em questão de poucos anos será APENAS do mundo. E seus braços ficarão vazios dele. Mas você, provavelmente, ganhará um grande amigo se souber dizer a ele que nem ele, nem ninguém, nem mesmo você, pertence ao outro.

Não há de se confundir deslealdade com o amor livre. O amor livre é apenas livre; e tudo que é livre ama sem interesse, ama porque é dom, ama porque é bom, porque amar faz a gente ser mais gente, faz a gente entender limites e razões, enche o coração de misericórdia, de compaixão. E daí, tudo que vem do amor que é bom, passa também a ser bom: a amizade, as risadas, a cumplicidade, o olhar carinhoso que nunca mente, a raiva que dá e passa, o perdão que chega correndo, a mágoa que morre mais depressa ainda e dá seu lugar a outro sentimento: a nobreza.

O amor livre, o amor liberto de “se”, de “que”, de pronomes possessivos, é fácil de compreender, mas muito difícil de ser vivido. Porque, para viver a liberdade do amor, é preciso entender, antes de mais nada, que nascemos sozinhos, e que é sozinho que desceremos à cova: e com certeza praticamente ninguém está preparado para pensar sobre isso. O amor liberto necessita que tanto quem ama quanto quem é amado sejam libertos também; e, se isso acontecer, terei muita pena dos psicólogos, analistas e sexólogos (muitos deles, meus amigos), afinal, 100% dos nossos recalques giram em torno do nosso umbigo. Resolvida a questão, seremos pessoas solares, flutuantes, preparadas, enternecidas, que sabem dizer sim e não nas horas apropriadas e que entendem, sem precisar de tradução, o que significa sermos amados.

Um dia, eu francamente espero, também viverei esse amor na prática, darei um afetuoso abraço de despedida em minha terapeuta e já não mais precisarei de barras imensas de chocolate; afinal, neste santo dia, esperado dia, terei entendido que o propósito do amor é a própria LIBERDADE.

PS: não sou hippie nem comunista.



segunda-feira, 14 de junho de 2010


O incrível dom de ser passageiro


Não. Não somos tão importantes. É ilusão pensar isso. Acho que o vento consegue ser mais importante que qualquer um de nós. A cada dia que uma criança nasce, alguém morre. Na proporção de um para um, ou mais, ou menos. A verdade é que sempre vamos, morrendo de mentira ou de verdade. Mas um dia, vamos. Vamos da vida de quem amamos, vamos da escola, da faculdade, vamos dos primeiros namoros, vamos das primeiras sentidas dores, das primeiras grandes e pequenas alegrias. Algumas vezes, vamos antes de quem nos viu nascer; em outras, vemos ir também.

Sim, vamos da vida de quem amamos. O cheiro na cama de quem adoramos será substituído por uma boa dose de amaciante de roupas e sabão em pó e um dia inteiro secando ao sol. As fotos - não se engane - as fotos serão guardadas gentilmente em uma caixa de um All Star antigo ou coladas em álbuns que nunca nos lembraremos de abrir. E quando vier a próxima mudança de casa, vamos descolar o durex da caixa com a ponta de uma tesoura para ver o que há ali dentro. Ah, sim. “A teus pés”, de Ana Cristina César, e fotos amareladas pela saudade que teve Alzheimer.

Quem é essa menina banguela aqui? E essa de franjinha? Essa menininha vestida de Mulher Maravilha? E esse pai que existiu? Esse pai que um dia amou essa menininha, que comprou para ela essa fantasia de heroína, que a levou à escola, à festa junina, que se esqueceu de assinar seu dever de casa e que esqueceu que pais não podem morrer??? Não, pais, não morram enquanto seus filhos não tiverem mais de 25 anos! Não deixem que os vejam dentro de um caixão! Mesmo que não sejamos tão importantes, a morte é. O abandono é. Tudo que somos também está ali. A vida e a morte. A vida contempla a morte, mas a morte não pode olhar a vida chorar, porque a morte é cega, surda e muda. Faltam-lhe os sentidos. A morte se esqueceu da vida, porque essa também não é o centro do universo nem o umbigo de ninguém.

Não é tão difícil entender. A vida é um sopro, uma ilusão, um delírio, uma febre, uma epidemia de prazer e de sofrimento, de orgasmo e de sepultamentos. A vida é isso e mais nada. Um dia, acaba. Como acabamos também para quem um dia nos amou. Para quem amamos. Um dia vamos acabar para quem amamos, e tudo que restou ficará guardado numa caixa de papelão. E talvez, daqui a dez ou vinte anos, alguém curioso abrirá essa caixa e encontrará ali registros de tudo que ficou marcado: sorrisos, dias de sol, dias de chuva, fantasias, festas, casamentos, nascimentos, aniversários, formaturas, alianças e “eu prometo”, cartas escritas à mão, poesias e sonetos. Sonetos de amor e de despedidas...

Ah, não, não somos tão importantes assim! Levar tão a sério o que somos, o que fomos, o que seremos...tudo vai acabar em cinzas, pó de gente, lágrimas dos vivos, boas vindas dos mortos.

E a vida continuará seguindo com o dom que Deus nos deu: o de sermos passageiros, mas incansáveis na luta de nos fazermos presentes, eternos como a cicatriz de um acidente de moto, como o cheiro do bolo saindo do forno que nos lembra uma avó querida, como o pudim de claras com limão que traz de volta a gargalhada do pai que há muito se foi; como o retrato amarelado da criança que fomos, e da criança que um dia sairá de dentro de nós.
O incrível dom de sermos passageiros.




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terça-feira, 1 de junho de 2010

A caminho do Tibet


Eu? Vivo usando luvas de pelica, caríssimas e delicadíssimas, para não ferir você ao te tocar, meu caro. Mas esfolio meu rosto com minhas mãos infestadas de caroços de milho ao me deitar.


Eu, exemplo vivo da caridade, não te abandono, meu próximo, porque temi a minha vida inteira magoar-te: amar ao teu próximo, amar ao teu próximo, amar ao teu próximo.


Com você, divido as coisas mais estranhas que penso, entrego meus momentos, os mais escondidos e os mais intensos, e depois disso vou, lentamente, esbofetear meu rosto com um pedaço de couro, até que nele se enxergue o buraco negro da autopiedade, do medo, e enxugo minhas lágrimas de boldo com a toalha que estaria na mesa que eu deveria virar.


A você, meu próximo, com quem partilho sonoras gargalhadas, com o qual troco idéias e aprimoramentos da evolução DES-humana, digo esta noite: FODA-SE.

FODA-SE para a sua dor, para os seus desastres, para qualquer coisa que venha de você. FODA-SE para a sua leitura da vida, FODA-SE para as pancadas que ela também te deu, FODA-SE para você que um dia achou que você fosse eu.


Hoje, caríssimo próximo, despeço-me de você como quem deixa a vida mundana para morar no Tibet; não tenho endereço, não tenho telefone, nem fumaça sei fazer; dou as costas alegremente ao seu sorriso, ao seu choro, ao que você tenta me dizer.


Caminho por onde quero, e só a Deus devo e preciso pedir perdão. Perdão por ser tão entregue, perdão por ser só medo e espontaneidade, perdão por não ser como o próximo, o caridoso próximo, que só pensa no meu bem, no meu e no de mais ninguém...


Perdão por não ser como você, meu próximo, seja você quem quer que seja...ele, ou ela, ou eles, ou elas. Ou todos eles ou todos vocês...ou eu...
Quem é o próximo antes de mim???




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quarta-feira, 14 de abril de 2010


Sim. Eu amo as minhas irmãs. Todas peitudas. Todas temos grandes peitos, suculentos peitos, jacas maduras (mas que ainda não caíram do pé, graças a Deus), peitos de verdade, que nunca foram comprados ou fabricados.


Ter tanto peito nessa família significa muito. Sem falar no peitão dela, Janetão, que nos deu de herança os outros peitos. Os peitos para enfrentar, para tentar, para rebater, para defender, para dizer não, para dizer sim, para dizer “ai que merda, me deixa decidir” ou simplesmente peito para chorar a dor. A dor que vem pra todo mundo numa terça-feira qualquer, quando acontece uma separação, quando alguém morre, quando nós mesmas nos sentimos morrendo.


Peito também serve pra isso, meninos. Acreditem.


Ah, sim. Eu amo as minhas irmãs, mesmo quando eu tenho vontade de avançar no pescoço de Lu quando ela me obriga a bater à porta do seu quarto e pedir permissão para entrar como se eu fosse um entregador de pizza. E também quando acho o meu gloss preferido dentro da bolsa dela ou um vestido que eu amava e que acabou virando “roupa de ficar em casa”. Mesmo nessas horas em que eu quero dar na cara dela, eu a amo. É impressionante como o amor de verdade ama na raiva mais absurda (não que achar meu gloss preferido na bolsa dela gere uma raiva absurda, mas quase – principalmente se for algum item da M.A.C).


Eu amo minha irmã Renata, que foi morar na Inglaterra há quase quinze anos. Sua ausência física é sua presença em cada momento – e mesmo acostumada com o não estar dela aqui não faz a menor diferença, porque sei que quando ela estiver a gente vai sentar na cama, abrir uma barra imensa de chocolate e eu sei que vou ouvir dela: “Garota, você precisa fazer uma dietinha...levanta aí o vestido pra eu ver se a sua pança tá muito grande”. E, lógico, a minha pança vai estar grande só pela barra de quase um quilo de Galaxy e pelas caixas de shortbread que ela insiste em trazer (e que eu nunca peço – tá bom, tá bom, sei quem é o pai da mentira).


Eu amo a minha irmã Renata porque em uma noite gelada em um momento glacial da minha vida, ela veio, toda magrinha e elegante, no aeroporto de Manchester, me abraçar e demonstrar que estava feliz por eu estar ali, só por eu estar ali – mesmo quebrada, machucada, toda cheia de hematomas no corpo e na alma – seu abraço me curou na hora, e continua me curando até hoje.


Eu amo as minhas irmãs porque todo o nosso universo foi construído em lilás e cor-de-rosa:


- Cadê meu perfume?


- Me empresta o seu top?


- Quem pegou aquele meu batom novo que eu comprei com o dinheiro da minha mesada? Quem é que quer morrer?


- Não fui eu que peguei seu livro! Deve estar jogado naquela sua mochila imunda!


- Dá licença, professora, eu queria falar com a minha irmã.


- É o que, garota? Ainda bem que você me tirou dessa aula chata de matemática, eu não tava entendendo nada mesmo. Tá, toma o meu short de educação física, mas traz depois do terceiro tempo porque eu tenho que ir, não posso mais matar nenhuma aula...vai, vai...


- Telefone pra você, é o Bruno, irmão da Vanessa...Não, Bruno, ela não quer falar com você, seu merda!


- Me dá um pedaço do seu salgadinho?


- Pô, animal, tirou o maior pedação, não te dou mais nada!


- Cara, para de comer amendoim, vai te encher de espinha!!!


- Garota, cala a boca que eu tô vendo a novela!


- Não acredito, você pegou aquele canhão? Aquele cafona baixinho da igreja? Ahahaha, cara, não acredito! Você foi no calor ou pelo menos o carro dele tinha ar condicionado? E a conta, ele pagou? Claro, né? Vou contar pra todo mundo se você não me emprestar aquela bolsa nova que vovó te deu de aniversário!


- Mãe...são 3 horas da manhã e Renata ainda não voltou...saiu com Bia...mas mãe...Bia bebe muita cerveja e já ficou com todos os garotos de Cabo Frio...ela é muito sem noção...tá bom, tá bom, vou ligar. “Alô? Garota, onde você tá? Volta pra casa!” – “Alôooo...hã? Onde eu tô? Aqui no Cilada...” “No Cilada??? Mamãe tá mandando você voltar, garota! Se você não voltar eu vou aí te buscar e você vai pagar o maior mico!!!”


- Lu, você pegou meu estojo por quê? Por que eu não estava usando? Ah, tá! Então agora eu me apodero de uma coisa que não é minha só porque a pessoa não estava usando? Isso existe?


- Calma, era hora de ele ir...chora, pode chorar...mas Deus quis assim, vovô foi antes que viessem os maus dias...Vai passar, Lu, vai passar...


- Nata...eu to te ligando pra te avisar...que vovô...não resistiu à cirurgia...


- Ah, não, vamos à Harrods, por favor? Lá tem Krisps´n´Cream e eu preciso, preciso, preciso comer aqueles donuts!


- Garota, para de loucura! Você já tem muita maquiagem! E olha só, no Asda você compra uma sombra parecidona com essa, só que três vezes mais barata.


- Tá, só que eu quero essa da Bourjois. Aproveita e pega logo três pacotes de Jaffa Cake pra eu ir comendo no trem pra Leeds!


- Cara, você vai estourar! E a cobertura nem é de chocolate de verdade! E vê se para de ir para o Evil´s Eye tomar vodca com aqueles estudantes que não penteiam o cabelo! Você só gosta de gente esquisita!


(Dez horas da manhã, sinal de mensagem do celular: “olha aí na geladeira que eu acho que o frango passou da validade. Cheira e vê se ta podre. Bjs.” – detalhe: faltava quase uma semana para vencer o pobre do frango).


- Vi, olha só, se você for se encontrar com aquele maluco do Bob, vai no Slug and Lettuce que fica no centro. É, aquele à beira do rio. Não vai longe, não. E se ele for um estuprador? E se ele te esquartejar? Tá rindo? Aqui eles fazem isso direto! Deixa o seu telefone ligado e cuidado para ele não colocar nada na sua bebida! Segura o copo o tempo todo, hein? Entendeu? Não pode largar o copo nem um minuto! É sério! Entendeu? Entendeu, garota (olhar de paranóia) ? E presta atenção se for beijar, os ingleses costumam ter os dentes podres! Deixa ele rir pra você NA LUZ! Ai você decide se beija ou não, ENTENDEU? Para de rir! É sério! Para de rir, garota!!!


- Quê? Você tá vindo atrás de mim? O celular tá aqui, eu não tava ouvindo suas ligações, tá o maior barulho! Garota, você tá maluca, tá a maior chuva, a gente tá aqui nessa merda desse O´Neil e ele é um chato! Eu já vou embora, esse cara só fala de futebol! Ou eu sou muito baranga ou ele é doente! Gastei minha maquiagem nova à toa para me encontrar com esse sem noção! Tá, vou dar um jeito de vazar, fica aí que eu te conto!


Sim, sim, como eu amo as minhas irmãs! O que seria da minha vida sem elas, se após eu nascer ela foi dividida em três? Como eu posso ser uma se três habitam o meu corpo?

Obrigada, mamãe peituda, pelas irmãs peitudas que você meu deu.

Ah, eu amo, amo as minhas irmãs!


Agora dá pra me devolver aquele blush em creme que era meu???


Viviane Rocha