quarta-feira, 28 de outubro de 2009


Ininteligível sentimento


Há tempos venho me perguntando o que é realmente o amor. O motivo, a razão, a história. O que diferencia o amor dos outros sentimentos? O que nos faz “sofrer a eterna desventura de viver”? Por que o amor, conceitualmente bom e soberano, ás vezes nos faz sentir como se estivéssemos vivendo o último dia das nossas vidas? Por que consegue ser ao mesmo tempo ácido e doce? Por que nos faz rir como crianças e chorar como filhotes sem mãe?


Não, não vou usar do pessimismo para falar do amor. Nem entendo disso. Já senti, mas nunca entendi. Talvez porque o amor não seja para se entender mesmo. Mas que muitas vezes confunde, ah, isso confunde. Como pode uma pessoa passar pela sua vida, dormir abraçada com você noites e noites, trocar beijos e carinhos, farpas e tapas, pele e olhar, e um dia, simplesmente, acabar? E aquilo se transformar nas lembranças que a retina fotografou e registrou em algum lugar do cérebro? E aí? Cadê você???


O amor, esse que conhecemos, não tem explicação. Ele é mundano e ao mesmo tempo parece que veio do mais alto dos céus. Nos faz desejar ser o outro, ter o outro, morrer com o outro. Sentir o outro como se fosse metade de nós. A isso se chama “alma gêmea”?
Não sei. Mas sei que apenas Vinicius de Moraes conseguiu, de alguma forma e depois de muita experiência, dizer alguma coisa que prestasse sobre o amor:


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”.

E vamos seguindo, minha gente, que a fila anda.

terça-feira, 20 de outubro de 2009


Angela e a torta de chocolate: ódio à Jolie

Eram nove e meia da noite de um sábado, um dia frio de outono, e Ângela resolvera ir ao cinema. Tinha ido assistir a um filme cuja atriz principal era Angelina Jolie, que estava para ver há tempos, mas nunca tinha coragem. A crítica era super favorável, mas havia também aquelas pessoas chatinhas que vão logo arrasando com a história, com o diretor, com os atores etc. Mesmo sem companhia (poderia ser melhor assim), ela escolheu uma sessão que provavelmente estaria menos cheia, assim haveria menos ruídos de papel de balas, amendoim, beijos e outras faltas de educação que geralmente são cometidas pelos espectadores brasileiros (não que o beijo seja falta de educação, mas cá entre nós...).

Chegou um pouco antes da hora e foi até o café do cinema. Seus enormes olhos castanhos foram até uma boleira de vidro reluzente, contendo uma torta de chocolate com cobertura ganache e amêndoas filetadas que lhe dava vontade de ajoelhar e agradecer a Deus pelo dom da visão, tamanha a contemplação de sua alma gorda por aquela iguaria que mais parecia uma jóia bizantina. Olhou o relógio: faltavam ainda quinze minutos para o filme começar; o suficiente para pedir um pedaço do bolo, uma xícara enorme de capuccino com uma dose extra de creme e, com isso, matar o tempo e matar também a sua última calça número 44, que ela vinha usando bem apertada, sufocando a barriga e fazendo-a parecer um casulo, o que ela tentava disfarçar com suas batas pretas de viscolycra que comprava de uma amiga do trabalho, que trazia da Rua Teresa, em Petrópolis, e revendia.

Com armas à mão, sentou-se em frente ao café e pensou, com sua cabeça gorda e dependente, que “só esse pedacinho” não iria engordar. Afinal, ela não havia almoçado aquele pasto verdejante que Mislene, sua secretária-diarista-ouvido-de-penico havia deixado pronto no dia anterior: uma bela salada verde com dois tipos de alface, rúcula, agrião e endívias, e alguns pedacinhos de queijo branco temperado com orégano para que ela não se sentisse a própria vaca holandesa ruminando em algum pasto brilhante, distante da realidade que a atormentava: perder 16 kg, todos ganhos com orgias hedonistas de açúcar, massa e destilados e o sedentarismo de um jabuti.

Com uma forte oração, afastou de sua mente a visão maligna da salada e, como se o mundo fosse acabar em trinta segundos, enfiou o garfo na torta, que viu afundando naquele ganache glorioso, entrando pela massa densa e macia, e trouxe à boca triunfantemente, alegremente, como alguém que declara vitória sobre o próprio desejo, cedendo a ele sem culpa ou autocrítica.

O sabor forte do chocolate amargo fazia com que esquecesse suas próprias amarguras; aquilo era bom demais! Melhor que orgasmos múltiplos, melhor que sexo selvagem, melhor que o que quer que fosse. Perto daquilo, o ponto G era uma formiguinha rindo de si mesma. Em poucos minutos, não restava nada no prato, além da lembrança borrada do creme que havia ficado na louça.

Era hora do filme. Ângela finalmente entrou, procurando uma poltrona mais para trás, já que ía abrir mesmo o zíper da última calça 44 e sentir seus culotes inchando como balões de aniversário. Se era para acontecer, que sentisse tudo isso sozinha, agora sim, castigando-se duramente, pensando na salada que havia ficado na geladeira, intocada, em vários tons de verde; nas frutas coloridas (que ela bem que preferia que fossem enormes jujubas) das prateleiras, na água-de-coco e no frango grelhado e anêmico, tudo arrumado com tanto carinho por Mislene, que também já não agüentava mais ouvir a patroa reclamar que estava obesa, gritando consigo mesma no espelho como se fossem acessos reais de esquizofrenia: “Gorda! Sua bunda está do tamanho de um atabaque! Olha essa barriga! Olha esse quadril! Vai passar a vida inteira usando viscolycra e cintas calorentas por baixo dos vestidos!”

Era nisso tudo que pensava enquanto rodavam os trailers: em todos os seus jeans dentro do armário, já caducando, esperando a apocalíptica hora de serem novamente vestidos; nos seus biquines e saias que há algum tempo resolveram se ausentar e em toda a sua lingerie que...ah, deixa pra lá.

Começou o filme. Na tela imensa, Angelina Jolie apareceu com sua boca mais imensa ainda, olhos de gata, corpo esculpido por Michelangelo, abrindo uma latinha de diet coke.

Ângela sentiu o ódio percorrendo-lhe a espinha. Sabia que nunca, jamais, mesmo que fizesse uma dieta de restrição de QUALQUER COISA, teria um corpo como aquele. Mesmo que corresse todos os dias da Lagoa até o Egito, fazendo um esforço sobrenatural, nunca, jamais teria aquela barriga lisa e dura como um piso de mármore nem aquela bunda empinada como a silhueta do Pão-de-Açúcar.

Com os dentes rangendo de raiva e contrariando a educação em que acreditava e defendia ferozmente, abriu a bolsa e sacou de dentro dela, como um mágico faz com um coelho dentro de uma cartola, um pacote bem safado de batatas fritas, que comeu como se vestisse 36 e vivesse em dia de domingo no posto 9 de Ipanema. E depois da batata, jujuba. E finalmente um chicletinho para fazer a digestão.

Acabou o filme. Jolie voltou para Hollywood, para a terra onde ninguém come, e Ângela voou para o estacionamento do shopping, entrou em seu carro e voltou para o seu apartamento de dois quartos, terra onde se come de tudo. Abriu a geladeira, viu a salada florescendo, lembrou do corpo escultural de Jolie e decidiu: tudo bem. É quase segunda-feira. Até lá, a salada não vai queimar. Pegou a lata de doce-de-leite e foi assistir ao Jô.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009


RG
Eu sou filha do amor entre Cézar e Janete.
Eu sou filha do AMOR MAIOR que permitiu que Cézar e Janete se conhecessem, num cursinho de pré-vestibular, há mais ou menos 25 anos. Eu já estava lá dentro deles dois há muito tempo e eles nem sabiam.
Eu sou filha do tempo e do que os anos me ensinaram. Sou filha da natureza e principalmente, filha da LIBERDADE.
Sou filha de uma promessa, uma grande promessa que ainda não se cumpriu. Mas não passa a palavra de quem a fez.
Eu sou filha de um Deus tremendo! Desobediente, mas sou. E daí? Por acaso os pais amam apenas os filhos mais dóceis e obedientes? Ou são os rebeldes que mais os surpreendem...?
Eu sou filha da tempestade. E do encontro do rio com o mar. E do sol com o oceano.
Eu sou filha da ventania. Da brisa, não. Embora quisesse ser.
Sou filha do vulcão, dos terremotos, do eclipse.
Mas também sou filha da luz. A escuridão nunca me agradou.
Eu sou quem eu gosto de ser, embora nessa vida eu já tenha me enganado muito, inclusive a meu próprio respeito. Mas, uma ressalva – eu não sou filha do engano.
Eu aprendi muitas coisas. Outras, desaprendi, mas serei restituída. É um débito de Deus comigo. É um débito meu para comigo.
Eu amo o silêncio que existe dentro de mim. Esse silêncio, só eu e Nara Leão conhecemos. Nara, com sua voz que lembra um passarinho voando, sempre conseguiu se aproximar de mim - e isso não tem a menor justificativa. Mas talvez explique porque gosto tanto de ouvi-la cantar, a qualquer hora do dia, em qualquer data.
Eu não gosto do barulho que existe dentro de mim. Ele me acorda de madrugada e faz minha cabeça funcionar como uma locomotiva, com idéias loucas, com sonhos em tons de azul e verde. E me deixa acordada até chegar o silêncio, com os pássaros cantando na minha janela e me lembrando que já começou mais um dia de trabalho.
Eu não gosto do meu lado sombra. Às vezes, ele é impiedoso. E me faz rosnar feito um cão acuado e mostrar as presas quando me tiram a liberdade. E se tentarem tirar minha liberdade, eu ataco mesmo. Viro atiradora de elite.
Mas o meu lado luz, esse eu gosto. Ele é bonito. Ele tem olhos lindos e tem muita sinceridade. Meu lado luz parece uma criança, uma criança soltando pipa numa tarde de verão. E é nessa criança que eu acredito.
Eu sou filha de Janete e neta de Samuel.
Estou aí pra aprender, crescer e virar gente. E, acima de tudo, para fazer valer a vida, essa vida tão doida que começou lá, no pré-vestibular de dois jovens cheios de sonhos, de amor e de expectativas.
Eu sou a continuidade do que já foi e o início do que vai ser.
Muito prazer.

terça-feira, 6 de outubro de 2009


Encontrar o amor não é, nem nunca será, encontrar alguém que se pareça com você.
Alguém que goste de samba, de rock, até de funk, ou do mesmo sabor de sorvete que só você e essa outra pessoa nesse mundo inteiro parecem gostar. Encontrar o amor nunca será encontrar o outro. O amor não se encontra. Ele existe apenas. E a gente fica na janela, igual a uma namoradeira de artesanato, na esperança ilusória de um dia encontrar...um grande amor.
Encontrar o amor é apenas descobrir-se são para poder compartilhar-se com alguém, mesmo que esse alguém não seja...o seu grande amor.
“Quem quer casar com a senhora baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha...?”

sexta-feira, 2 de outubro de 2009





No dia em que eu crescer de verdade

Se eu conhecesse as palavras mais ricas do mundo, em todos os idiomas e dialetos, elas não seriam suficientes. Mesmo existindo, elas me faltariam para que eu, desesperadamente, tentasse falar, gritar, chorar, cantar, escrever e até inventar as estrofes esteticamente perfeitas para dizer o que eu sinto por você, mãe.
Não é nenhuma data especial. Aliás, hoje é um dia como outro qualquer, nessa cidade chata, com essa gente igualmente chata e monótona, lendo notícias mais chatas ainda de um mundo caótico, sem Deus e sem coração. Um dia quando tudo acontece igualzinho, como no célebre filme do Charles Chaplin: acordar, tomar leite de soja com pão integral e requeijão, lavar o cabelinho duro, encontrar uma roupa que ainda caiba, pintar os olhos cansados da mesmice, agarrar a bolsa e sair por aí para fazer a mesma coisa: dar bom dia àquela gente que parece não saber nem o que é bom nem o que é dia, ligar aquele computador diabólico enviado das trevas que não funciona nem com oração do pastor Zé Augusto e, depois de muito pensar na morte da coitada da bezerra, olhar nas minhas anotações as minhas pendências que parecem ter um “quê” de eternidade. E aí, sim, começar a escrever não o que quero, mas o que preciso. Porque, se fosse para escrever o que eu quero, eu faria o que estou fazendo agora: ouvindo Maria Bethânia e pensando que eu tenho a mãe mais legal desse mundo! Que Deus em sua grande sabedoria (e também em sua absurda habilidade de unir o útil ao agradável) permitiu, determinou e ESCOLHEU que eu viesse da barriga de Janetão Rocha, minha mãe! Tenho certeza que Deus pensou: “Isso vai ser pedreira, para agüentar essa menina só alguém tão forte como o próprio nome, então ela vai ser filha de Janete ROCHA”. E aí eu comecei a me inventar dentro da barriga de Janete ROCHA, e ah, como eu queria nascer e ver a cara dela! Será que ela ía gostar de mim? Será que eu tinha que ser igual a ela para ela gostar de mim? Será, será, será...? Mas aí eu vim, vim logo arrasando, porque eu queria sair daquela barriga que era quase um ofurô e conhecer o mundo, a vida, o que há de bom nessa vida, e o que existe de mal eu conheci porque não tem jeito mesmo: saiu do ofurô, é isso aí, vai chorar, vai sorrir, vai cair e vai levantar, mas morrer, só quando o Grandão lá chamar.
Ser filha de Janete ROCHA é ter a mãe mais amiga do mundo e também precisar ser o The Flash para sair de perto dela quando a cabeça dela começar a arrepiar de raiva (e ela faz questão que você saiba disso). Ser filha de Janete ROCHA é ter que explicar várias vezes ao dia que mesmo que um copo caia no chão e quebre em mil pedaços, ela não precisa cantarolar um MERDAAAAAAAAAAAAA tão longo e tão treinado, porque sim, quebrou um copo, mas pior seria se fosse a cabeça do fêmur. Ser filha de Janete ROCHA é saber que vai ter sempre sopa de abóbora na casa dela, por razões inexplicáveis, afinal existe tanta variedade de verduras e legumes em nosso país que nem em mistério Deus me revela o porquê da insistência com a abóbora. Mas, como há propósito para tudo debaixo do sol, deve haver uma razão que não foi me dada a conhecer para que ela use apenas este legume para fazer uma sopa.
Ser filha de Janete ROCHA é entrar em embates de argumentações e conceitos e ter que admitir, com os dentes rangendo de raiva, que na maioria das vezes não há mais o que argumentar com ela porque, no fim das contas nojentas, ela nojentamente vai estar certa e você, inevitavelmente, vai ficar pensando naquilo que ela te falou com todas as letras, sem eufemismo (ahahaha eufemismo), e que no fundo mesmo você só queria que alguém te confirmasse.
Ser filha de Janete ROCHA é também um exercício. Um exercício de treinar os seus ouvidos para muitas coisas que você não queria MESMO ouvir, mas que ela, querendo você ou não, VAI DIZER. E se você quiser entender, entenda, ou então não encha mais o saco. É mais ou menos assim.
No dia em que eu crescer de verdade, vou pensar a respeito da minha mãe o que eu penso agora: que ela é uma grande mulher, que ela não se intimida nem com o capiroto, nem com tempestade, nem com contracheque nem com farofa queimada, nem mesmo fica triste porque o bolo que ela faz sai sempre solado (mas se você quiser fazer um bolo bem doce pra ela, não faça cerimônia, a cozinha é sua, a casa é sua e o coração dela é seu – mas só se levar TRÊS xícaras de açúcar).
No dia em que eu crescer de verdade, já terei entendido tudo, até o que nunca foi pra entender: que ela foi à luta sozinha, meteu a cara nesse mundo maluco e chegou em casa todas as noites, depois de trabalhar igual a uma camela, para perguntar se eu jantei e para me colocar de castigo por ter escondido o boletim com todas aquelas notas vermelhas ridículas que vinham sublinhadas em matemática. Entender que ela deu um curso para um monte de gente burra para pagar sozinha todas as despesas da minha festa de 15 anos, para me ver feliz e saudável com os meus amigos e com a minha família, para eu soprar as quinze velas do bolo - e eu sabia, na verdade, que ela estava era me desejando mais noventa anos de vida tão alegres como aqueles quinze.
No dia em que eu crescer de verdade, já terei entendido: ser filha de Janete ROCHA é herdar força, coragem e fé, e o resto é o resto, como a sopa de abóbora que nunca pode ser de espinafre ou de couve-flor, ou o bolo, que, por um desses mistérios da parapsicologia, não tem uma explicação científica para dar certo.
No dia em que eu crescer de verdade, serei forte como a Rocha, Rocha como a minha mãe Janete.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009


Ser uma, uma apenas quando posso ser mil? Era assim que eu vinha pensando há muito tempo, desde quando eu não era assim, digamos (humhum) essa pessoa dependente de emoções profanas para dizer a mim mesma: minha vida faz sentido, oh!
E com o tempo, não é possível que sejamos tão estúpidos a ponto de não entender que o que fomos ontem, jamais será o que somos hoje ou seremos amanhã. Essa esquisita aí da foto um dia fui eu, cafoninha dentro dos meus anseios missionários de mudar o mundo através do poder transformador e multiplicador da fé em Jesus Cristo. Não,não que eu não acreditasse realmente nisso, não que eu não tivesse me empenhado realmente nisso, mas aí os outros "eus" foram nascendo, gritando, descolando da placenta e eu não tive outra alternativa a não ser deixar nascer. Venham, crianças, venham, não tenho como impedir o nascimento da vida -muito menos o desenvolvimento dela (e quantas vezes eu desejei, meu Deus!).
Ah, sim, ainda posso dizer que sou mil almas presas em um corpo neurótico com dietas de restriçãode carboidratos (ahahahahaha negue-me o pão doce com creme que minha avó acabou de trazer bem fresquinho), e que hoje eu sou, simplesmente, parafraseando Rita Lee, "uma pessoa comum, filho de Deus, nessa canoa furada, remando contra a maré...não acredito em nada MAS NÃO DUVIDO DA FÉ”.
PS: é claro que esse cabelinho cafona de seminarista da Igreja Batista é apenas uma montagem fuleira. Já fui muito pior que isso.