sexta-feira, 2 de outubro de 2009





No dia em que eu crescer de verdade

Se eu conhecesse as palavras mais ricas do mundo, em todos os idiomas e dialetos, elas não seriam suficientes. Mesmo existindo, elas me faltariam para que eu, desesperadamente, tentasse falar, gritar, chorar, cantar, escrever e até inventar as estrofes esteticamente perfeitas para dizer o que eu sinto por você, mãe.
Não é nenhuma data especial. Aliás, hoje é um dia como outro qualquer, nessa cidade chata, com essa gente igualmente chata e monótona, lendo notícias mais chatas ainda de um mundo caótico, sem Deus e sem coração. Um dia quando tudo acontece igualzinho, como no célebre filme do Charles Chaplin: acordar, tomar leite de soja com pão integral e requeijão, lavar o cabelinho duro, encontrar uma roupa que ainda caiba, pintar os olhos cansados da mesmice, agarrar a bolsa e sair por aí para fazer a mesma coisa: dar bom dia àquela gente que parece não saber nem o que é bom nem o que é dia, ligar aquele computador diabólico enviado das trevas que não funciona nem com oração do pastor Zé Augusto e, depois de muito pensar na morte da coitada da bezerra, olhar nas minhas anotações as minhas pendências que parecem ter um “quê” de eternidade. E aí, sim, começar a escrever não o que quero, mas o que preciso. Porque, se fosse para escrever o que eu quero, eu faria o que estou fazendo agora: ouvindo Maria Bethânia e pensando que eu tenho a mãe mais legal desse mundo! Que Deus em sua grande sabedoria (e também em sua absurda habilidade de unir o útil ao agradável) permitiu, determinou e ESCOLHEU que eu viesse da barriga de Janetão Rocha, minha mãe! Tenho certeza que Deus pensou: “Isso vai ser pedreira, para agüentar essa menina só alguém tão forte como o próprio nome, então ela vai ser filha de Janete ROCHA”. E aí eu comecei a me inventar dentro da barriga de Janete ROCHA, e ah, como eu queria nascer e ver a cara dela! Será que ela ía gostar de mim? Será que eu tinha que ser igual a ela para ela gostar de mim? Será, será, será...? Mas aí eu vim, vim logo arrasando, porque eu queria sair daquela barriga que era quase um ofurô e conhecer o mundo, a vida, o que há de bom nessa vida, e o que existe de mal eu conheci porque não tem jeito mesmo: saiu do ofurô, é isso aí, vai chorar, vai sorrir, vai cair e vai levantar, mas morrer, só quando o Grandão lá chamar.
Ser filha de Janete ROCHA é ter a mãe mais amiga do mundo e também precisar ser o The Flash para sair de perto dela quando a cabeça dela começar a arrepiar de raiva (e ela faz questão que você saiba disso). Ser filha de Janete ROCHA é ter que explicar várias vezes ao dia que mesmo que um copo caia no chão e quebre em mil pedaços, ela não precisa cantarolar um MERDAAAAAAAAAAAAA tão longo e tão treinado, porque sim, quebrou um copo, mas pior seria se fosse a cabeça do fêmur. Ser filha de Janete ROCHA é saber que vai ter sempre sopa de abóbora na casa dela, por razões inexplicáveis, afinal existe tanta variedade de verduras e legumes em nosso país que nem em mistério Deus me revela o porquê da insistência com a abóbora. Mas, como há propósito para tudo debaixo do sol, deve haver uma razão que não foi me dada a conhecer para que ela use apenas este legume para fazer uma sopa.
Ser filha de Janete ROCHA é entrar em embates de argumentações e conceitos e ter que admitir, com os dentes rangendo de raiva, que na maioria das vezes não há mais o que argumentar com ela porque, no fim das contas nojentas, ela nojentamente vai estar certa e você, inevitavelmente, vai ficar pensando naquilo que ela te falou com todas as letras, sem eufemismo (ahahaha eufemismo), e que no fundo mesmo você só queria que alguém te confirmasse.
Ser filha de Janete ROCHA é também um exercício. Um exercício de treinar os seus ouvidos para muitas coisas que você não queria MESMO ouvir, mas que ela, querendo você ou não, VAI DIZER. E se você quiser entender, entenda, ou então não encha mais o saco. É mais ou menos assim.
No dia em que eu crescer de verdade, vou pensar a respeito da minha mãe o que eu penso agora: que ela é uma grande mulher, que ela não se intimida nem com o capiroto, nem com tempestade, nem com contracheque nem com farofa queimada, nem mesmo fica triste porque o bolo que ela faz sai sempre solado (mas se você quiser fazer um bolo bem doce pra ela, não faça cerimônia, a cozinha é sua, a casa é sua e o coração dela é seu – mas só se levar TRÊS xícaras de açúcar).
No dia em que eu crescer de verdade, já terei entendido tudo, até o que nunca foi pra entender: que ela foi à luta sozinha, meteu a cara nesse mundo maluco e chegou em casa todas as noites, depois de trabalhar igual a uma camela, para perguntar se eu jantei e para me colocar de castigo por ter escondido o boletim com todas aquelas notas vermelhas ridículas que vinham sublinhadas em matemática. Entender que ela deu um curso para um monte de gente burra para pagar sozinha todas as despesas da minha festa de 15 anos, para me ver feliz e saudável com os meus amigos e com a minha família, para eu soprar as quinze velas do bolo - e eu sabia, na verdade, que ela estava era me desejando mais noventa anos de vida tão alegres como aqueles quinze.
No dia em que eu crescer de verdade, já terei entendido: ser filha de Janete ROCHA é herdar força, coragem e fé, e o resto é o resto, como a sopa de abóbora que nunca pode ser de espinafre ou de couve-flor, ou o bolo, que, por um desses mistérios da parapsicologia, não tem uma explicação científica para dar certo.
No dia em que eu crescer de verdade, serei forte como a Rocha, Rocha como a minha mãe Janete.

Um comentário:

  1. Ah, o primeiro comentário! Vim...você escreve lindamente, eu que sempre achei que você seria uma apresentadora e entrevistadora famosa tipo Regina Casé(cômica, claro). Você tem mais é que escrever um livro e ficar bem famosa, rica e me receber na sua noite de autógrafos.
    Te adoro, amiga! Acho que você descreveu sua mãe com todos os detalhes que todos nós gostaríamos de descrever nossas mães! PARABÉNS!BEIJOCAS!!!

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