terça-feira, 22 de novembro de 2011


Nascente

Sua pequena mãozinha procura a minha. Encontra a minha. Segura a minha. Segurando a minha mão ela se sente segura...é tão pequena e frágil que parece que nasce junto com o sol todos os dias.

Sinto-me engravidar sozinha. Mas não aquela gravidez de barriga; essa gravidez vem lá do horizonte da alma, lá onde a gente não alcança, onde nenhum artista vê o concreto, muito menos o abstrato para pintar ou fotografar. A gravidez da alma é aquela que brota igual a nascente: ninguém segura, nem tronco de árvore, nem aterrando o rio, nem explodindo o mundo. E vai aumentando, crescendo, crescendo, parece que tomou hormônio do crescimento e vai tomando conta de todos os espaços da sua vida. Então a gente se descobre mãe. A gente se descobre amando outra vida, que não precisa nascer da sua barriga, mas que é sua, sua pequena vida, apenas esperando o momento certo para brilhar em algum dia em que, talvez, você menos espere. Essa pequena vida já era sua e você nem sabia; todas as noites em que sonhou com ela, em que imaginou como seria seu rosto, seu cabelo, seu olhar pra você; todos os momentos em que imaginou como seria estar no seu colo, sendo pequenininho ou já grandinho; ainda assim, ia querer seu colo, como não? As mães amáveis têm um dom natural: o de dar colo. Colo para o susto da noite, para a febre que não passa, para o joelho ralado, para as lembranças tristes, para a insegurança, para o medo do abandono, para o colo, somente; o colo onde a gente, que é filha, chora até ficar adulta (e principalmente quando fica adulta...); o colo onde a gente chora quando se separa de quem se ama, quando perde o emprego, quando sente saudade, quando simplesmente se quer colo e pronto.

A gestação da alma não é como qualquer gestação natural. Ela nasce de um lugar onde a gente não consegue ir, tão profundo é. Um lugar onde não se consegue chegar pelo caminho concreto e sólido, mas que se consegue sentir pela certeza genuína e clara. É como a nascente: borbulha, borbulha, e desde a superfície sabemos que ela está ali. Eu não sei o que é: se vem só de mim, se vem de Deus ou de alguma força que me faz amar e querer amar mais e mais alguém que nunca vi, e que não nasceu do meu útero, que não ouvi chorar, não vi o umbigo cair, e nem amamentei. Mas que certamente, em algum dia ensolarado ou noite enluarada, nasceu já procurando por mim. Em algum lugar me aguarda, em algum lugar acredita que estou chegando, estou descobrindo o caminho, estou fazendo e refazendo percursos, estou abrindo portas e janelas, trancando imbecilidades, molhando plantas e conhecendo trilhas até chegar até ele, pequeno ou crescido, branco ou negro, índio ou pardo, ou de qualquer outra cor que não conste em nenhuma certidão ou documento...apenas meu filho, o filho que eu não escolhi pela lei natural da vida, mas que a lei natural da vida escolheu pra mim. O filho que comecei a amar por uma razão tão transcendental que a minha própria razão não identifica: simplesmente ama, simplesmente me quebranta, me faz mulher inteira, me faz mulher bonita, me entrega gentilmente o direito de cuidar, de ver crescer, de amar e ensinar, de errar e aprender, de morrer de rir e de morrer de chorar.

Jogo por terra expectativas vãs. A minha gestação da alma é muito maior do que elas. O meu filho não é o que eu sonhei. O meu filho é o meu próprio sonho, sonho que não tem nada de ideal, não tem nada de perfeição, um sonho onde cabem todos os sentimentos do mundo. O meu filho é muito mais e muito diferente do que eu imaginei, porque ele é único, estrela solta nesta enorme constelação, e não apenas mais um neste mundo de meudeus.

Ele sabe que vou chegar na hora certa. É que eu ainda não conheço o caminho. E também não tenho medo do caminho. A nascente borbulha. O meu filho me espera em algum lugar na constelação. Eu não sei a cor dos olhos dele. Eu não sei a cor da pele dele, nem conheço seus medos. Mas sei que ele me espera. E sei que eu estou chegando.

Eu só queria embalar meu filho.


terça-feira, 21 de junho de 2011

Sonhos ficam dentro.

Planos saltam aos poros.

Gerar vida é criar a mesma.

Esperar por momentos certos demais é atingir o nunca.

E NUNCA é muito triste para um dicionário.

terça-feira, 1 de março de 2011




Uma visita da cor do açúcar


Ela chegou correndo, segurando balões de várias cores nas mãozinhas. Saiu de um carro, de onde ouvi um “bip” travando as portas. Não vi quem a havia trazido. A forma, que era de um adulto, se desfez em vulto. Não havia ninguém por perto. Era de noite, mas não muito tarde. Não conseguia ver seu rostinho, escondido entre tantos balões coloridos. Ela corria com passos apertados de quem tem perninhas curtas, e usava sapatos brancos, de verniz. Embora eu não conseguisse ver seu rosto naquele momento, eu sabia que ela estava muito feliz. Mais do que feliz: ela estava radiante, alegre, pronta para celebrar alguma coisa.


Por alguma razão que eu desconhecia, eu estava muito feliz também. Havia esperado aquela garotinha por tantos anos! E ela chegava assim, trazida por um adulto que era apenas um vulto e que desaparecia com o “bip” do travar de portas do carro de onde ela havia saído. Ela corria em minha direção, como se soubesse que eu a havia esperado por muitos anos. Vinha com a esperança de ser criada, amada, educada; a esperança de viver uma vida feliz, sem sequer imaginar a seriedade desta mesma vida e todos os momentos que vão, pouco a pouco, construindo a base em que vivemos até chegar o dia em que não precisaremos mais dela.

Eu corri até ela sem acreditar que enfim ela havia chegado. Então todos os anos não haviam sido em vão? Uma hora ela chegaria mesmo? Tão pequenininha e tão feliz? Continuei a correr, brincando com ela. Ela olhava para traz e sorria, mas ainda assim era impossível ver seu rosto. Uma leve cortina de névoa só me deixava ver a cor dos seus olhos e cabelos: castanhos claros. Tudo era tão enevoado. Observava, sim, nuances de um sorriso, e ouvia distante, como um eco esquecido, gargalhadas infantis que eram a melodia mais feliz que escutara até então.

Ela foi soltando um a um os balões de gás e, sem ainda me deixar ver seu rostinho, começou a subir na janela da antiga casa da bisavó Chiquita. Uma casa com a data de 1940 pintada na fachada, a esta altura já azul clarinho, caiado pelo tempo, pelos ventos nordeste e sudoeste.

Que levada esta menina! Ajudei-a em suas traquinagens, e, quando pude finalmente pegá-la em meu colo, ela se voltou para mim. A névoa que me impedia de vê-la com perfeição e foco tinha se esvaído como fumaça; ali estava ela, sorrindo com transparência e uma alegria tão genuína que comovia até a mais dura das cervizes. Tapei minha boca com a mão para não soltar um grito; o que vinha de dentro de mim era surpresa, susto, emoção, amor, alegria, vontade de chorar e de rir, uma gama de sentimentos que começavam a marejar meus olhos e fazer meu coração bater violentamente contra o meu peito. Ali estava ela...ela era eu. Pequena. Feliz. Um pouco misturada com os olhos e a cor castanho bem clarinho do cabelo de uma das minhas irmãs. Ela, que era eu, me abraçava com bracinhos macios e claros; seu sorriso de dentinhos de leite e olhinhos espertos penetravam os meus, estáticos diante do que estava vendo: eu estava segurando a mim mesma em meu colo.

Não passava de quatro anos aquela criança e já quanta história tinha em seus olhos! E seu sorriso! Que bálsamo! Quanta ternura! E quanto tempo eu havia esperado por ela! Que nome daria? Que nome daria a mim mesma? Ela estava ali, ninguém viria buscá-la. Ela não era de ninguém. Ninguém tinha a guarda daquela criança a não ser eu mesma. Eu tinha a guarda de mim e haveria de saber, daquele ponto em diante, por onde começar a ser mãe. Mãe de mim mesma. Mãe de uma criança que me sorria como um anjo e que não tinha a idéia de como este mundo jaz no maligno, mas de também como a vida pode ser boa se a olharmos com os olhos dela. Da criança. Que eu sabia que era eu mesma mas que não tinha nome, pois ao mesmo tempo que era, não era. Uma extensão...uma surpresa, uma piada de Deus? Que faria com aquela criança subindo em janelas e segurando-se em grades, vestida como uma princesinha? Havia sim um lacinho branco em seu cabelo liso e claro. Suas bochechas estavam coradas e tinha uma linda boquinha em forma de coração. Era esperta, inteligente e alegre. Assim como deveriam ser todas as crianças.

Eram quase seis horas da tarde quando acordei suada e sentindo um nó de marinheiro na garganta (nó de marinheiro ninguém desfaz). O silêncio sepulcral na casa me fez querer que aquilo tudo fosse verdade, eu queria dormir novamente e voltar ao mesmo sonho, conversar com ela, perguntar quem a tinha enviado, como tinha chegado até mim, se ficaria para sempre, se seria minha filhinha tão almejada, ou se seria minha mãe. Mãe de mim mesma. E ao mesmo tempo me perguntava se enfim eu havia pirado de vez.


Na verdade, eu já sabia o que aquilo significava. Ela não veio para ser minha filha. Veio para me ensinar a cuidar de mim mesma para que, um dia, eu possa cuidar de outra vida que sairá de dentro de mim ou não. Que sairá do meu útero ou de outra maternidade, ou de um orfanato, ou da rua. Veio me mostrar as cores alegres nos balões de gás, a pureza no sorriso de dentinhos de leite, a alegria no brilho dos olhos que mais pareciam duas amêndoas reluzentes.


Seu vestidinho branco, sapatos e meias da mesma cor, um lacinho também branco no cabelo. Tudo puro. Tudo cor de açúcar. A vida pode, sim, ser doce. Talvez não o mundo, mas a vida, sim.


Seu abraço era gostoso e delicado, e havia algo de eterno nele. Como se prometesse que nunca iria embora. Como se me amasse sem nenhuma outra intenção a não ser a pura verdade do amor simples, que não quer nada em troca. Ainda sinto seus bracinhos em torno do meu pescoço e me pergunto porque numa terça-feira de verão, em que eu deveria estar me ocupando de outras questões, enquanto meu texto CLAMA para ser insistentemente decorado, eu caio em um sono profundo e saio desta esfera carnal para uma muito mais além do que minha mente cria existir.


Sim, ainda na atmosfera do sonho, eu sei. Muitos podem dizer que foi apenas um sonho repleto de informações que recebo diariamente, como todo mundo. Foi um sonho, eu sei – um sonho, e não APENAS um sonho. E neste sonho, alguém me tocou. E me arrepio quando lembro que aquele pequeno alguém era eu mesma, soltando balões de gás, vestida de branco, correndo em direção a mim, à parte de mim adulta, intolerante, desanimada muitas vezes com a vida e com as dificuldades impostas por ela.

Levei meia hora para me recompor. Estava escuro e silencioso. Eu tinha vontade de chorar.
Desejei que ela estivesse ao meu lado.

Foi quando eu me dei conta de que ela já estava.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 3 de novembro de 2010


Como entender a direção de Deus para a vida da gente? Será que isso existe, "direção de Deus" para a vida de quem crê nele? E porque a vida de quem não crê muitas vezes vai melhor?

Ah sim, são perguntas tolas que nem na Escola Dominical as professoras respondem. Quando muito, elas dizem apenas "foi da vontade de Deus", como se Deus quisesse ou permitisse que alguns de nós fôssemos infelizes ou não realizados na vida (o que acaba dando no mesmo).

A verdade é que até os crentes mais "badalados", autores de grande sucesso e carismáticos entre os fiéis não têm essa resposta. Eles têm o dom de cura, de libertação e de revelação, mas não uma resposta simples a uma pergunta igualmente simples em sua formulação, e até mesmo em seu caráter. Alguém vai dizer: "leia A Cabana". Pois não, o ser humano lê, se emociona, se surpreende com a criatividade do autor, com a facilidade que ele demonstra ao explicar a Trindade, e assim a consciência dói menos quando vem a vontade de culpar Deus pelas nossas próprias escolhas e erros.

Mesmo tendo apenas vinte e poucos anos e começando a entender o que as professoras e líderes nunca ensinaram nas células ou aulas da EBD: existem questões nas quais Deus não se mete. Não adianta pedir marido rico, fiel e até bonito (ah minha irmã, sua fé teria que mover montanhas!!!) ou um super emprego com um plano de carreira sensacional que te daria uma aposentadoria confortável para curtir com seus netos (isso se você casasse, e de preferência com aquele homem-alvo de sua oração, sim, o homem acima - além de devoção e jejuns intermináveis) ou mesmo para aquela pessoa que você tanto ama e que está à beira da morte poder aproveitar um pouquinho mais dessa vida. Se é hora dela ir, você vai pedir o quê? Pra ela ficar?


Sim, desejos legítimos. Vontades genuínas. Mas não pense que você não irá para o paredão ao pedir a Deus coisas assim.

Mas então você pergunta: se Ele diz que quem busca recebe, quem procura encontra, porque seus sonhos não se realizaram?

Porque eles não se tornaram planos ao invés de sonhos, certo?

Sim, provavelmente. Sonhos geralmente ficam na cabeça e sempre achamos que um dia eles acontecem. Planos são executáveis. São calculáveis. Tudo na ponta do lápis, na planilha do excel, nas prioridades do dia a dia.

E sonhos?

Estão lá dentro, romantizados, sem a menor labuta em cima deles, apenas olhos que brilham ao pensar que podem acontecer, ou noites enervantes em que não se consegue dormir pensando no que teria sido da vida se no ano de 2005 você não tivesse entrado naquele apartamento e se deitado com a pessoa errada...ou se você tivesse trocado de curso na faculdade e tivesse feito Direito, hoje poderia ser um juiz com salário de R$ 17,000 iniciais ou um agente fiscal...quem sabe?

Nada de dureza, nunca mais. Nada de se preocupar com a fatura do cartão de crédito, nada de esperar a troca de estação para comprar as roupas mais legais ou parcelar no cartão as comprinhas de farmácia. E aí, a culpa é de quem se não posso passar as férias na tão sonhada Grécia??? Aliás, a culpa é de quem por eu não ter férias???


É frustrante ao extremo tentar entender Deus. E sim, tem gente que acha que com Ele as coisas são muito simples. São os defensores do evangelho puro e fundamental. Tem outros que elaboram tanto a vida com Deus que andam pelas ruas repreendendo demônios ao passarem na frente de restaurantes e bares ou até mesmo ao ouvir uma música de axé. E tem aqueles que simplesmente não pensam em nada disso; aliás, não pensam em nada. E vão aceitando a vida até que toque a sétima trombeta de Sião e os anjos em cavalos alados desçam comunicando que Jesus está voltando. Nada mais 3D, hum?

Aos crentes de plantão: deve-se duvidar de tudo nessa vida. Sem as dúvidas, não damos um passo à frente. Sem as dúvidas, não há o risco, sem o risco pode não haver sucesso e, não havendo sucesso, renova-se o ciclo da insatisfação. O que também pode ser ao avesso pois quem é inteligente acaba aprendendo com o insucesso - e por aí vai. Duvidar de verdades, de mentiras, de boatos, de fatos...ou da veracidades deles.

Há tantas coisas das quais se duvidar. Mas, para nosso alento, amigos inquietos, existe uma verdade da qual a dúvida não pode se aproximar: a glória de Deus.

Digam o que quiserem. Que foi o Big Ben, que foi a partícula de pentelhésimo de um átomo que explodiu e deu vida a tudo que tem vida, mas não subestimem a inteligência de algumas pessoas ao observarem uma criança vir ao mundo.

Não há explicação científica satisfatória para uma pessoa nascer de outra. Para uma pessoa se alimentar de outra dentro dela durante nove meses e depois continuar se alimentando por um bom tempo...nada é mais assustador, nada mais encerra as dúvidas sobre a existência de Deus do que o nosso nascimento. Nada nessa vida terrena pode ser mais espetacular do que a nossa vida ser oriunda de outra até então completamente estranha e desconhecida. E aí vem a certeza: ah, queria que Darwin me explicasse isso! Daria tudo para nascer na época de suas expedições e pedir apenas que ele me justificasse o seu próprio nascimento. Com cálculos, palenteologia, geologia e todas as "gias" que conhecemos.


Enquanto isso, vou duvidando do arrebatamento, dos galardões, dos anjos de seis asas e oito olhos (que meda), das carruagens de fogo e cavalos alados voando em céus de trovão a caminho de matar a besta que arderá eternamente num lago de enxofre. Mas não deixo nem jamais deixarei de acreditar que "quando as flores não mais existirem e o tempo parar de contar; quando todas as coisas passarem, com o Pai hei de estar"!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


Laurentino Gomes, autor de “1808” e “1822” abre a Semana Literária na Livraria do Boulevard e concede entrevista exclusiva

O badalado autor Laurentino Gomes, que escreveu o best seller “1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil” com mais de 600 mil exemplares vendidos, e, mais recentemente, “1822 – Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado”, livros que contam e recontam com clareza, humor e leveza a história da fuga da Corte Real Portuguesa e da Independência do Brasil, esteve em Cabo Frio no dia 8 de outubro para abrir a Semana Literária da Livraria do Boulevard.

Através do livro “1808”, o autor ganhou o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, nas categorias Melhor Livro Reportagem e Livro do Ano de Não-Ficção. Além disso, sua obra também foi eleita o Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira de Letras, permanecendo até este ano na lista dos livros mais vendidos no Brasil e em Portugal.

Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná com pós-graduação em Administração pela Universidade de São Paulo, Laurentino Gomes trabalhou como repórter e editor para o jornal O Estado de São Paulo e a revista Veja e foi diretor da Editora Abril. É membro titular da Academia Paranaense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Um dos principais méritos de Laurentino Gomes é descobrir personagens esquecidos da história, como o escocês Lord Alexander Thomas Cochrane, elemento que praticamente definiu o desfecho do conflito entre europeus e sul-americanos.

Em sua mais recente obra, “1822”, e com a expectativa de ultrapassar os mais de 600 mil exemplares vendidos com “1808”, o autor continua a contar a saga da Corte Real Portuguesa no Brasil e a sua Independência, no qual o personagem central é, sem dúvida, Dom Pedro I, mas sem esquecer personagens indispensáveis como o estadista e conselheiro do príncipe, José Bonifácio; a princesa Maria Leopoldina e o primeiro almirante da armada nacional brasileira, o mercenário escocês Thomas Cochrane, ou Lord Cochrane, além da amante de Dom Pedro I, a paulista Maria Domitila de Castro Canto e Melo, que recebeu o título de Marquesa de Santos. Todos esses personagens tiveram uma participação muito importante no processo que resultou na Independência do Brasil e na reestruturação de um país falido, movido por desconfianças das cortes lusitanas e influenciado por movimentos separatistas, republicanos e abolicionistas por todo o território.

Em entrevista exclusiva concedida na Livraria do Boulevard à repórter da Assessoria de Cultura de Cabo Frio, Viviane Rocha, o autor Laurentino Gomes falou sobre um pouco de tudo: educação, incentivo à leitura e, claro, História.

VR: Muitos de nós aprendemos uma História mal contada na escola. Faltou dar importância a personagens de destaque, como José Bonifácio, por exemplo. Fatos importantes foram omitidos e fatos não tão importantes foram super valorizados. Por que o senhor acha que isto aconteceu?

LG: Na verdade, a História é uma disciplina muito facilmente manipulável, seja porque quem quer que esteja no poder. Houve, com certeza, um interesse político em ocultar alguns fatos e super valorizar outros. Hoje, o Brasil está colhendo os primeiros frutos de uma democracia de 25 anos consecutivos, e isso é mérito do governo que está chegando até o leitor. Nosso País está passando por um momento de uma profunda reflexão histórica e isso se reflete na reformulação da Educação e, consequentemente, em uma forma mais consistente de contar a nossa História. Na verdade, a História é um conjunto de fatos e acontecimentos que justificam políticas presentes, e que continua mudando.

VR: Hoje em dia os leitores se interessam mais por livros de História?

LG: Sim, claro. E por leitura de modo geral. Isso é resultado direto da queda do índice de analfabetismo. E o interesse específico pela História aparece quando ela é contada de maneira acessível, sem o linguajar sisudo das teses acadêmicas. A matriz do meu trabalho vem de uma narrativa jornalística, que é a minha formação. A apuração que fiz foi toda jornalística, investigando fatos e até mesmo estando presente onde eles aconteceram. E, como gosto muito de História, escrevo sobre ela com esta narrativa e através deste viés jornalístico. Vejo com muita alegria o fato de a História estar se tornando popular.

VR: Como o senhor vê a realização de programações literárias, como esta que estamos realizando aqui na Livraria?

LG: Olha, eu acho isso importantíssimo. Desde que comecei a rodar o Brasil com as minhas palestras, tenho percebido o quanto festivais e encontros literários aproximam o leitor do autor. O autor deixa de ser aquela pessoa distante, escondida atrás do livro e passa a estreitar o eixo cultural na sociedade, estabelecendo uma relação mais próxima com quem o lê. Eu adoro conversar com meus leitores, entender o que eles pensam, tirar qualquer dúvida. Acho essa iniciativa fundamental, mas acredito que faltam mais eventos como estes no Brasil.

VR: O senhor acha que existe preconceito em relação aos gêneros literários?

LG: Sim, há um preconceito bobo quando alguém fala que tal pessoa só lê a saga Crepúsculo, gibi, mangá e Harry Potter. Esse tipo de preconceito não tem o menor fundamento, pois é através também deste contato que a criança e o adolescente vão começar a se envolver na leitura. Hoje, as crianças estão lendo esta literatura, mas lá na frente, daqui a alguns anos, este leitor já vai se interessar por outros gêneros, outras vertentes, pois aprendeu a gostar de ler.

VR: Como o senhor acredita que a leitura deve ser incentivada?

LG: O mais importante é entender o hábito da leitura como prazer, e não como obrigação extra-classe. Como uma criança toma gosto pela leitura? Lendo gibi também! O importante é que ela aprenda a gostar de ler, e isso com certeza não virá com livros de romance ou não-ficção apenas. A leitura precisa ser associada ao prazer, e é muito importante que os filhos observem os pais lendo, e que os pais leiam junto com os filhos. Ler não apenas na escola, mas principalmente em casa, com a família.

VR: Cabo Frio tem uma média de 200 mil habitantes. O senhor acha que em cidades menores se lê menos do que nas grandes capitais?

LG: Pelo que eu tenho observado nas minhas viagens, já acho o contrário. Em cidades menores há mais tempo para a leitura. As pessoas não ficam horas no trânsito caótico como o de São Paulo, nem ficam duas horas em pé dentro de um ônibus. Com melhor qualidade de vida, há menos cansaço e mais tempo para ler.

Nos dias seguintes, a Livraria do Boulevard recebeu mais autores para um bate-papo e tardes de autógrafos: os professores Sérgio Nogueira, do Soletrando, quadro do programa Caldeirão do Huck; Denise Salim, especializada na obra do autor João Ubaldo Ribeiro; Nei Lopes, compositor, cantor e escritor, além de André Valente, professor de Lingüística da UERJ e o imortal Carlos Heitor Cony. A semana foi encerrada com chave de ouro com a presença do compositor, escritor e cantor Paulinho Moska.

Livraria do Boulevard

A Livraria do Boulevard, inaugurada em agosto deste ano, é um espaço super agradável, que conta com uma charmosa cafeteria onde se pode experimentar o chocolate quente mais gostoso e diferente de Cabo Frio, além de ter um cardápio especial. É todo decorado de maneira artesanal, com fadinhas de vários tamanhos e cores que pendem do teto; brinquedos artesanais de madeira, cada um talhado à mão; lindas bonecas de pano espalhadas pelo ambiente, brinquedos de pelúcia e um cantinho todo especial reservado somente para as crianças.

Além de todos os tipos de gêneros e editoras comercializadas no Brasil, também é possível encontrar na Livraria do Boulevard presentes muito especiais: as bonecas alemães feitas de porcelana, com detalhes e acabamento perfeitos, vestidas em trajes de época, que vêm acompanhadas de acessórios.

A proprietária da Livraria, Andrea Paes, conta como surgiu a ideia de criar um espaço diferente em Cabo Frio:

- Havia um público carente de uma livraria que não fosse “apenas uma livraria”, mas um espaço cultural também, onde se pudesse tomar um capuccino folheando um livro e conhecendo as novidades. Quis que a decoração fosse toda artesanal. Os brinquedos, cada um, desde a fadinha até as bonecas de porcelana, são todos artesanais. Decorei a Livraria como se estivesse decorando um espaço da minha casa – conta.

A Livraria do Boulevard está localizada à Rua Major Belegard, 409 – Centro. Funciona de segunda a sábado das 10h às 22h e aos domingos das 12h às 22h. As compras podem ser parceladas em até seis vezes sem juros no cartão de crédito. Não encontrando o livro que procura, basta apenas o cliente encomendar.

Telefone: (22) 2643-1384

Viviane Rocha Moreira Lima

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma boa senhora que não pôde escolher o seu emprego



Uma boa senhora que não pôde escolher o seu emprego


Tenho uns poucos relógios meio vagabundos. Todos estão sempre parados. Nunca me lembro de trocar a bateria. Não é de propósito, eu esqueço mesmo. E na verdade não vejo o menor sentido em ficar olhando para o pulso como uma psicótica, vigiando as horas como se a foice viesse me ceifar a qualquer momento.

Não, não tenho medo da morte. Nunca tive. Engraçado isso. Tenho medo de outras coisas. Tenho medo de ter diarréia na rua, do meu dente quebrar, de ficar mais míope, tenho medo da minha avó cair e se machucar e eu não ouvir por ela me chamando, tenho medo de não ter filhos, tenho medo de ficar uma velha gorda, baranga, hipertensa e diabética e cheia de dor nos joelhos, medo de ter que morar na Pavuna, medo da polícia, medo do meu peito cair, medo da minha barriga nunca mais sumir, mas da morte - não. Essa nunca me assustou, talvez por eu ter conhecido essa senhora desde muito pequena. Eu sempre soube que ela viria um dia, por isso vivo de portas abertas, sem medo de que ela venha, mas também sem fazer festa pra ela.

Falar sobre a morte sempre é constrangedor, mas nem sempre ruim. Talvez porque a morte em si não seja ruim, quando acontece em seu tempo e quando sabemos que, acima de qualquer dor, ausência ou perplexidade existe a certeza inabalável de um reencontro “em um outro nível de vínculo”, parafraseando Caetano Veloso em sua música “Tempo, tempo, tempo”.

O problema é que nós acostumamos com tudo, menos com a visita dela. Nem que seja para cessar o sofrimento de quem amamos, nem que seja para nos dar uma vida melhor em outro lugar. É assim desde os primórdios da humanidade, desde quando o mundo é mundo e as primeiras civilizações choravam seus mortos. Ninguém quer dizer “adeus” a quem ama. Mas porque dizemos “adeus” se podemos dizer “até breve”?

Há quatro anos eu disse “até breve” para o homem que mais amei na vida. A tristeza não era pela morte; era pela saudade. O corpo inanimado já não me dizia mais nada; eu sentia falta do seu espírito, da sua presença, da sua voz e da sua ranhetice. Já não me importava com o vento frio em seu velório, as vozes murmurantes, as mãos que me tocavam. Eu só queria segurar as mãos dele, não pelo desespero papagaiado de não poder mais ver, mas sim pela ternura imensa na qual eu estava submersa naquele momento. O momento de dizer “até breve”, mas sem saber a data exata do “breve”. O momento de aprender a conviver com a ausência e as lembranças, sempre tão boas, ternas e alegres. O momento de ver novamente a senhora, ali ao lado de seu corpo frio, velando por ele. Uma boa senhora que nada fez a não ser o seu serviço, obedecendo às ordens de quem a todos ama e quem a todos chama, um dia, nessa vida fugaz.

São quatro anos sem vê-lo. Quatro anos sem ouvir aquela voz preguiçosa perguntando se tinha café fresquinho ou aumentando o som do telejornal quando todas nós resolvíamos conversar junto com William Bonner e Fátima Bernardes. E o tempo foi passando assim, como um raio, um trovão, e ao mesmo tempo se arrastando como uma lesma, fazendo a saudade crescer como massa de pizza, fazendo o olho rir e chorar...

Uma noite jurei que tinha escutado seu riso no apartamento dele. Estava sozinha, o apartamento também sozinho, entrei e liguei a televisão e então...quase acreditei que ele estava rindo pra mim (ou de mim?). Meu coração se encheu de um sentimento ambíguo, amedrontado e ao mesmo tempo feliz. Quis chorar e quis rir, quis correr e abraçá-lo, mas era apenas ela, a televisão, me trazendo à realidade da saudade, uma saudade legal, que não faz sofrer nem desesperar, mas que faz a gente acreditar e esperar por um tempo diferente, um lugar diferente, onde tudo será diferente, mas todos seremos iguais.

Não, a boa senhora não me assusta. Ela vem quando precisa vir e faz o que tem que fazer sem ter que dar explicações. Ela leva quando tem que levar, e não creio, nunca acreditei que ela fosse má.
Ela apenas não pôde escolher o trabalho dela.

Saudade, vô.